sábado, 27 de fevereiro de 2010

Ilustração Portuguesa


A Hemeroteca Municipal de Lisboa oferece-nos alguns tesouros, como a «Ilustração Portugueza», uma das mais célebres publicações do século passado.
É de visitar em:
 * Há por aqui um desafio escondido...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O sentido da vida - Parte I



PRIMEIRA CENA: TEATRO À LA CARTE


Um casal muito bem vestido assim para o moderno, sentado à mesa de um restaurante, a olhar para a ementa. Lançam-se olharzinhos por cima das ementas. Sorriem com ar de circunstância.

ELE: Estás-te a divertir, amor?

Depois de uma pausa, aborrecida de morte.

ELA: Muito, meu tesouro. Imenso.

Risinhos tontos de ambos enquanto se dão a mão.
Chega NÁDIA, com um bloco de notas e caneta, extremamente amável.

NÁDIA: Os senhores já decidiram?
ELE: O que é que te apetece?
ELA: Não tenho bem a certeza… Como é o número cinco?
NÁDIA: Fantástico. Eu recomendo. Política internacional.
ELE: É muito profundo?
NÁDIA: Para mim não…
ELA: O que leva?
NÁDIA: Uma base de análise global, envolta num discurso ecologista light, com molho rosa e reivindicações contratuais. Não é nada indigesto.
ELA: Não. O corpo pede-me uma coisa mais forte.
NÁDIA: O telelixo interessa-lhe?
ELA: Nem por isso.
NÁDIA: E a violência de género? Vem numa moldura de tolerância zero, com laivos de feminismo radical…
ELE: Não, nada de radicalismos. (Para ELA.) Não te cai bem, depois eu fico mal disposto e acabamos sempre a discutir.
NÁDIA: Fora da ementa posso oferecer-lhes terrorismo islâmico, acordos entre patronato e sindicatos – muito divertidos –, apontamentos para um novo conceito de macho ibérico…
ELA: Não tem nada mais pessoal? Qualquer coisa que nos toque mesmo fundo.
NÁDIA: Mais íntimo?
ELA: Que nos emocione.
ELE: Tens a certeza, amor?
ELA: Hoje é uma noite muito especial… E há tanto tempo que não sinto nada…
NÁDIA: A verdade é que já não fazemos o pessoal há muito tempo.
ELA: Porquê?
NÁDIA: Era demasiado catártico.
ELA: Não se preocupe. Catarse é connosco. Ele, para já, é dramaturgo.
ELE: Autor.
ELA: Vai dar ao mesmo.
ELE: Não é bem. O dramaturgo é um criador de linguagens cénicas, que tem as raízes da sua obra imersas na antropologia moderna e na arte contemporânea. O autor não. O autor é um autocrata que se auto-cria numa auto-crítica auto-freudiana a partir de uma autoridade autista, como um autêntico autómato. Não concorda?

Em resposta, NÁDIA continua a sorrir impávida.

ELA: E eu sou actriz. Mas não me conhece porque sou do teatro.
NÁDIA: (Depois de uma pausa.) Fica então para dividirem? O pessoal, quero dizer.
ELA: É muito forte para uma pessoa só?
NÁDIA: Pode gerar ansiedade, confusão e problemas de comunicação…
ELA: Perfeito. É exactamente o que estamos a precisar.
ELE: Está bem. Um pessoal para cada um.
NÁDIA: E para beber?
ELA: Um copo de Borba.
ELE: E uma água sem gás.

NÁDIA recolhe as ementas e vai-se embora.
Escuro.



Antonio Onetti, Nádia ou os anões vão crescendo

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Duocentésimo



PROMETEU

Éter divino, brisas de asas velozes,
nascentes dos rios, sorrisos inúmeros
das vagas do mar, ó terra, mãe de todos,
e disco do Sol, que tudo vê - eu vos invoco!
Vêde o que sofre um deus, da parte dos deuses!
Contemplai as torturas
dilacerantes, que, por tempos sem fim,
eu hei-de suportar!
Tais são as algemas infamantes
que para mim criou o jovem senhor dos bem-aventurados.
Ai! Ai! Suspiro pela pena
presente e futura. Donde há-de vir um dia
o extremo limite deste sofrimento?
Mas que digo? Conheço já com rigor
tudo o que há-de vir. Desgraça inesperada não pode
surgir. Força é suportar o melhor possível
o destino marcado, sabendo invencível
a força da necessidade.
Mas calar ou não calar a minha sorte
não me é possível. Coitado de mim, que, por ter ofertado
um dom aos mortais, estou sob o jugo da necessidade.
Fui eu que descobri, no recesso de uma cana,
a nascente furtiva do fogo, que aos homens se revelou
mestra de todas as artes e recurso inestimável.
Desses crimes expio agora a pena,
pregado com algemas, sob a luz do céu.

Ésquilo, Prometeu Agrilhoado

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Diamante


Parabéns, mãe, pelos 75 já cumpridos!

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Magnólia



A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu esplendor.

Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria – na metáfora –
necessária, e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.

A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,

um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.

                 Luísa Neto Jorge

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Pelo fumo de um cigarro...


Gosto de dormir até tarde. Sempre gostei. É o meu relógio biológico: deitar tarde e tarde erguer!
Por isso me dá mais prazer levantar-me cedo em ocasiões especiais.
Nessa manhã primaveril, às sete e meia, já eu saía da Residencial das Trinas para entrar na pequena e apertada rua homónima, na direcção do miolo do casco de Guimarães.
É claro que, como qualquer turista, me fazia acompanhar de uma máquina fotográfica, mas acho que não cheguei a gastar um fotograma do filme incluso, em todo o tempo em que vagueei pelas milenares ruas, ruelas e praças da velha urbe, que pareciam ir despertando à minha passagem, lenta e atenta.
As imagens que guardei tenho-as todas algures entre a retina e as estantes empoeiradas da memória, onde também ainda subsistem os odores desse madrugador percurso labiríntico por entre lajes de granito entremeadas de um virginal branco e sacadas de madeira egrégia.
Chegado à Senhora da Oliveira, o pequeno-almoço tomado, a sós, na esplanada fronteira ao arco, encerrou essa pequena viagem no tempo sem tempo.
Mas ali volto, de quando em quando, como hoje, se me deixo levar pelo fumo de um cigarro...