quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O nosso mundo é este

XVI

O nosso mundo é este
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.

Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
Das nossas sombras.

Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…

Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…

Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.

Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…

O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.

E se soubessem, dariam flor?

Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.

O nosso mundo é este….

(Mas há-de ser outro.)

                                        José Gomes Ferreira

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Acaso algo acontece por acaso?



Assim começa Magnolia, um filme que não é de Natal, mas de quando um homem quiser!...

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

11.º Mandamento




«Roubarás para comer, a quem para to vender é certo que te já roubou!»

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O jardim marinho



Era uma vez um menino que nasceu cego para as coisas da terra. Só via o mar e o que nele havia. Sabia caminhos nas águas, carreirinhos. Dava nome às ondas, de uma em uma. Dizia: a luz nasce do mar e não dos astros. A claridade lhe chegava do azul, ainda molhada e, depois, flutuarejava nos céus.
Andar em terra enjoava-lhe. Tinha temor de pisar em solo firme, de cair no duro chão. Até o verde terrestre lhe incomodava. O menino não sabia tocar as folhagens, ásperas e secas. Plantas, para ele, eram as algas escorregadias e ondulantes.
Quero a minha escola no mar, pai. Em terra não posso.
O pai respondia:
Há-de ser, filho.
A mãe chorava. Como podia ela ter gerado aquele menino, mais a jeito de ser peixe? E a criança, apalpando o escuro, tocava as lágrimas da mãe e acreditava que ela sorria. No seu entender, água seria sempre sinal de felicidade.
A mãe contenta-se. São meus dedos que dizem.
A pobre mulher não respondia. Aquele era seu único filho. Para o sustentar ela tivera que trabalhar na cidade. O dinheiro que o marido retirava das pescarias já não chegava. Nem tão pouco. Os três já eram tantos, mais bocas que braços. Quando ela saía para o trabalho, pelas traseiras da casa, o menino se derramava em total despedida. Como se fosse infinita a estrada.
O pai parecia nem dar conta da estranheza de seu filho. Aceitava. Mesmo decidira puxar a cabana mais para junto da rebentação. Prendas que o miúdo lhe trazia: conchas, búzios, brilhos da maresia.
Será que passa?
Dúvida e angústia da mãe olhando o filho no meio das águas, nadando com despacho de golfinho. Ela sacudia a cabeça, negando-se: em terra o menino não tinha a competência de nem um passo, sequer um. Fora de água, sua visão se apagava. O pai, muitas das vezes, adentrava-se por terra, desafiando o miúdo para vir junto. Mas o filho chorava do escuro onde o mergulhavam.
Com o tempo e como a doença piorasse, a mãe passou a dedicar ódio ao mar. O incansável ruído das ondas já lhe inundava o sono. Ela deixou de dormir, ocupada em sofrer.
Marido, vamos sair daqui. Vamos no interior.
E nosso filho?
Ele se habitua, você vai ver.
Concluía o homem que era impossível, o menino não resistiria. E assim demorou-se o tempo. O menino deu-se de bem crescer, encharcado de azul e sal. Agora, já não era mais criança. Ao fazer do corpo se ajuntava a vontade de ainda mais ser das águas. Um dia, ele:
Devo ir. Eu pertenço lá.
E apontou o oceano. A mãe escondeu dentro um quase alívio. Mas era uma consolação triste, como se fosse o descanso de um parto falecido. Ela já não o ouvia, ele falava qualquer coisa de ser jardineiro, plantar nas ondas.
Não chora, mãe. Eu hei-de passar a visitar.
O pai suspirou um longo silêncio.
Não, filho. Já não vais-nos ver mais. Vou levar tua mãe para longe, ela não pode continuar-se vizinha da água.
Ele dobrou a despedida, perdendo-se no azul inatingível. Os dois velhos ficaram a ver a sua extinção. Quando o Sol ajoelhou a beijar o horizonte, ela pediu ao marido:
Não vamos partir esta noite. Só amanhã.
O pescador, de silêncio, consentiu. Mas, naquela noite, eles não buscaram o aconchego da cabana. Ficaram, sob os ramos da Lua, olhando o escuro abismo por onde o filho desaparecera, ouvindo os seus passos afogando-se na distância.

...................................................................Mia Couto, Cronicando

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

12 segundos de escuridão...




Gira el haz de luz
para que se vea desde alta mar
yo buscaba el rumbo de regreso
sin quererlo encontrar

Pie detrás de pie
iba tras el pulso de claridad
la noche cerrada, apenas se abría,
se volvía a cerrar.

Un faro quieto
nada sería
guía, mientras
no deje de girar
no es la luz
lo que importa en verdad
son los 12 segundos
de oscuridad,

12 segundos de oscuridad
para que se vea desde alta mar
de poco le sirve al navegante
que no sepa esperar.

Pie detrás de pie
no hay otra manera de caminar
la noche del Cabo
revelada en un inmenso radar.

Un faro para,
sólo de día,
guía, mientras
no deje de girar
no es la luz
lo que importa en verdad
son los 12 segundos
de oscuridad,
12 segundos de oscuridad,
12 segundos de oscuridad,
para que se vea desde alta mar.

Jorge Drexler