quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O nosso mundo é este

XVI

O nosso mundo é este
Vil suado
Dos dedos dos homens
Sujos de morte.

Um mundo forrado
De pele de mãos
Com pedras roídas
Das nossas sombras.

Um mundo lodoso
Do suor dos outros
E sangue nos ecos
Colado aos passos…

Um mundo tocado
Dos nossos olhos
A chorarem musgo
De lágrimas podres…

Um mundo de cárceres
Com grades de súplica
E o vento a soprar
Nos muros de gritos.

Um mundo de látegos
E vielas negras
Com braços de fome
A saírem das pedras…

O nosso mundo é este
Suado de morte
E não o das árvores
Floridas de música
A ignorarem
Que vão morrer.

E se soubessem, dariam flor?

Pois os homens sabem
E cantam e cantam
Com morte e suor.

O nosso mundo é este….

(Mas há-de ser outro.)

                                        José Gomes Ferreira

3 comentários:

Guida Palhota disse...

Ah, "há-de ser outro"!...
Não vou em vaticínios nem em promessas! Mesmo no que respeita à morte. Quem prova que ela é um outro mundo? Já veio cá alguém contar?!...
O mundo é aquilo que todos os dias fazemos pelos locais que percorremos. Não mais. Embora se vá continuamente somando (Ou será diminuindo?).
"O nosso mundo é este"? Pois é! E melhor será não esperarmos por outro para sermos o que temos no fundo do ser!!!

Vítor disse...

O "há-de ser outro" do José Gomes Ferreira, se bem o conheço, não é o 'outro mundo' que há-de vir depois da morte de quem anda por este.
Acho que "há-de ser outro", quando os que sempre têm 'amochado' derem um pontapé nesta merda e virarem tudo ao contrário, baralhando para dar de novo, num jogo que não esteja viciado à partida.
Estou convicto de que era nisso que ele acreditava, e é por isso que gosto de o reler.

Beijo

Guida Palhota disse...

Sim, claro, pois! Eu até "disse" «Mesmo no que respeita à morte» considerando uma outra hipótese...
Mas até tendo em conta apenas aquela que referes, as minhas apreciações sobre o mundo e sobre aquilo que devemos fazer dele no quotidiano (e não daqui a uns tempos, quando nos "passarmos dos carretos") mantêm-se.
Penso que a vida se deve fazer, dizer e até pontapear todos os dias ou sempre que for caso disso. Se disso todos fôssemos capazes, talvez não houvesse tensão suficiente para explosões de raiva!
Somos fracos porque não somos unidos ou porque deixamos que se encha em nós a bolsa que guarda as contrariedades. A minha não é lá muito grande nem muito elástica... e isso tem-me valido. O possível, claro.
Penso que é possível remar contra marés. O problema da maioria é que isso dá uma grande trabalheira e, ainda para mais, fica-se mal visto e prejudicado. Há que optar - é o que é!
O "mundo de cárceres" apresentado pelo JGF é algo que associo a uma fraqueza humana que me irrita ter de admitir que é o que temos!...