segunda-feira, 11 de outubro de 2010

domingo, 10 de outubro de 2010

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Terrível palavra é o non. Não tem direito nem avesso; por qualquer lado que o tomeis, sempre soa e diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim, ou do fim para o princípio, sempre non. Quando a vara de Moisés se converteu naquela serpente tão feroz, que fugia dela por que o não mordesse, disse-lhe Deus que a tomasse ao revés. E logo perdeu a força, a ferocidade e a peçonha.
O non não é assim: por qualquer parte que a tomeis, sempre é serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva veneno consigo. Mata a esperança, que é o único remédio que deixou a natureza a todos os males. Não há correctivo que o modere, nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que confeiteis um não, sempre amarga; por mais que o enfeiteis, sempre é feio; por mais que o doureis, sempre é de ferro. Em nenhuma solfa o podeis pôr que não seja mal soante, áspero e duro. Quereis saber qual é a dureza de um não? A mais dura coisa que tem a vida é chegar a pedir e, depois de chegar a pedir, ouvir um não. Vede o que será. A língua hebraica, que é a que falou Adão e a que mais naturalmente declara a essência das coisas, chama ao negar o que se pede envergonhar a face. Assim disse Bersabé a Salomão: “Trago-vos, Senhor, uma petição, não me envergonheis a face”. E por que se chama envergonhar a face negar o que se pede? Porque dizer não a quem pede é dar-lhe uma bofetada com a língua. Tão dura, tão áspera, tão injuriosa palavra é um não. Para a necessidade, dura; para a honra, afrontosa; e, para o merecimento, insofrível.

António Vieira, in Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma