quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Bom Gigante

Era uma vez um gigante que não gostava de ser gigante.
– Chamo muito a atenção – queixava-se ele. – Para onde quer que vá, todos, de longe, apontam o dedo para mim "Lá vai o gigante!" E assustam-se. E abusam do meu nome e pessoa, metendo medo aos meninos: "Se não comes a sopa, chamo o gigante". E espalham disparates a meu respeito, dizendo que eu como gente, sou mau e outras calúnias que tais. Não aturo isto.
Pôs-se a andar de joelhos, a ver se não davam tanto por ele. Qual quê! Um gigante de joelhos, quer se queira quer não, é sempre um gigante, ainda que de joelhos.
Deixou de aparecer. Fechou-se no seu palácio de gigante e nunca mais pôs um pé fora de casa. Mas um gigante escondido, que de um momento para o outro pode aparecer, aterroriza ainda mais a vizinhança do que se andasse sempre na rua.
– Vou mudar de terra – decidiu o desgostado gigante.
Andou por vários reinos, sempre precedido pela sua fama.
– Vem aí o gigante – gritavam.
E todos fugiam.
Até que foi ter a uma terra de gigantes. De gigantões. Todos muito maiores do que ele.
– Aqui é que me convém ficar a viver – disse o gigante.
– Ninguém vai reparar em mim.
Por acaso reparavam. Chamavam-no, nessa terra, de gigantões matulões, chamavam ao gigante desta história de "pitorro", "badameco", "homenzinho", "pigmeu"... Mas ele, que tinha muito bom feitio, não se importava.

António Torrado

8 comentários:

Guida Palhota disse...

O que me intriga é haver gigantes com bom feitio, ou melhor, "com muito bom feitio"!...

Vítor disse...

Porquê, Guida?
Os gigantes não terão o direito de ser bons e gentis como qualquer um, só porque a sua pituitária é disfuncional?

Guida Palhota disse...

Bem...
Não me passou pela cabeça qualquer discriminação dos gigantes em termos de direitos.
Mas pensei que quando não se gosta de se ser como se é há tendência para alguma irritabilidade, a qual recebe, normalmente, o rótulo de "mau feitio".
Qualquer característica permanente de um indivíduo pode contribuir para lhe baixar a autoestima e lhe fazer subir o mau feitio (claro que o inverso é igualmente válido) que todos reconhecerão...
Considero, portanto, que todos os "gigantes" tendem a ser infelizes, tendo a sua infelicidade origem na disfunção concreta que os torna diferentes. Não deixam de ter direito seja ao que for, mas sofrem e têm mau feitio exactamente "só porque..."

Vítor disse...

Eu também sei que não te passou isso pela cabeça; estava só a "picar-te".
Os gigantes são sempre anões em alguma coisa - algures no meio estará a verdadeira humanidade, num minúsculo ponto central e equidistante, de onde divergem e para onde convergem todas as forças. Difícil mesmo é descobrir esse ponto, principalmente devido à imensidão dos corpos dos gigantes. Às vezes, uma só vida não chega para o encontrar; é por isso que os gigantes vivem vidas de anões e vice-versa.

Guida Palhota disse...

Olá, bom gigante!
Venho fazer-te um pedido, humilde e sentido: aparece, por favor. Não é que eu esteja temerosa, apoquentada com a hipótese de me apareceres de repente, mas fazes falta por aqui. É que não temos cá matulões e assim sempre comíamos a sopa... ;-)

Psst: A verdade é que sem ti esta terra fica diferente, mais pobre...

Vítor disse...

Guida:

Eu vou tentar levar as tuas palavras ao bom gigante quando o encontrar, fica descansada. Entretanto, vai lá comendo a sopinha!...

Aníbal Meireles disse...

A história só demonstra que tudo é relativo :D

Gigante aqui, pequeno homem ali. Crenças, credos, é tudo uma questão de lugar onde se nasce e para onde se vai.

Vítor disse...

Meireles:

É verdade que esta história demonstra aquilo que dizes, mas talvez não se fique "só" por isso, pois, se o gigante fosse mau, continuaria a ser "gigante aqui, pequeno homem ali" e essa relatividade seria em (quase) tudo idêntica.