domingo, 25 de outubro de 2009

Valdevinos

Morte de D. Beltrão


– Quedos, quedos, cavaleiros, — que el-rei vos mandou contar,
Falta aqui o Valdevinos — e seu cavalo tremedal;
Falta a melhor espada — que el-rei tem para batalhar.
Não no achastes vós menos, — à ceia, nem ao jantar;
Só o achastes menos — a porto de mau passar.
Deitaram sortes à ventura — a qual o havia d’ir buscar.
Todas sete lhe caíram — ao bom velho de seu pai;
Três lhe caíram por sorte — e quatro por falsidade.
Lá se vai o bom do velho, — o seu filho vai buscar.
Pelos altos vai voando, — pelos baixos procurando,
À entrada duma vila, — à saída dum lugar,
Encontrou três lavadeiras — numa ribeira a lavar.
– Deus vos guarde, lavadeiras, — que Deus vos queira guardar.
Cavaleiro d’armas brancas — viste-lo por aqui passar?
– Esse soldado, senhor, — morto está no areal;
Os seus pés tem sobre a areia — e a cabeça no juncal;
Três feridas tem em seu corpo, — todas três d’homem mortal;
Por uma lhe passa o sol, — pela outra o luar,
Pela mais pequena delas — um gavião a voar,
Com as asas bem abertas, — sem nas ensanguentar.
– Não torno a culpa aos Mouros, — em meu filho matar;
Só a torno ao seu cavalo, — não no saber desviar.
De mandado de Deus Padre — veio o cavalo a falar;
– Três vezes o desviei — e três me fez avançar,
Apertando-me as esporas — alargando-me o peitoral;
Dava-me sopas de vinho — para melhor avançar;
Os muros daquele castelo — três vezes me fez salvar.





Versão de Vinhais, recolhida pelo P.e José Firmino da Silva, 1904 (José Leite de Vasconcelos, Romanceiro Português. 1.º vol., Coimbra, 1958, versão n.º 18, pp. 31-32).

8 comentários:

Carlos Lopes disse...

Ganda pinta de texto!

Lady Godiva disse...

É evidente que se, de uma forma ou de outra, nos estimularem para irmos em frente, há fortes possibilidades de irmos... E, se amarmos a luta que comprámos, surge ainda a imensa probabilidade de chegarmos ao fim!...

Guida Palhota disse...

Olá, Vítor!

Lembrei-me de um post teu sobre uma súbita paixão pela beleza de uma capa de cd...
E venho dizer-te que eu era capaz de "comprar esta capa"!

beijo rosado

Vítor disse...

Carlos:

Ainda bem que gostaste deste texto popular, que talvez já ninguém saiba cantar.

Abraço

Vítor disse...

Lady:

Os que levam as lutas "até ao fim", geralmente, acabam por ser denominados 'valdevinos', de uma ou doutra forma, pois, cheios que estão de uma ideia, tornam-se incómodos para os outros.

Beijo

Vítor disse...

Guida:

Esta "capa", concretamente, não será fácil de comprar; talvez só num alfarrabista. Quanto aos textos por ela resguardados, eles andam por aí, em inúmeras versões e vestindo tantas outras capas; é só estares atenta.

Beijo multicolor

Lady Godiva disse...

Vítor:
Concordo com a apreciação que fazes dos acérrimos defensores dos seus ideais. Mas... concordo porque a entendo como a constatação da tua parte de que esses indivíduos causam mal-estar porque os outros "não chegam para eles". Só que aquilo que eu leio nas tuas palavras pode ser entendido por outras pessoas em sentido inverso, ou seja, algo como: "essa é mesmo uma malta chata, que faz questão de ofender, mas só anda em círculos à volta de si mesma".
E agora? Que quiseste tu dizer? Se pudesses ser mais claro...

Desculpa o mau jeito.

beijos

Vítor disse...

Lady:

Aquilo que quis dizer não será bem nem uma coisa nem outra, mas aproxima-se mais da primeira hipótese que formulas.
As pessoas que estão verdadeira e completamente imbuídas de uma moralidade que querem, a todo o custo, pôr e ver pôr em prática são, geralmente, muito exigentes e implacáveis, primeiro consigo próprias, depois em relação aos outros - e, entre estes, mais ainda no que diz respeito aos que lhes são mais próximos. Os "outros" (principalmente estes últimos), não é que 'não cheguem para eles', o problema reside em que, apesar de gostarem das referidas pessoas, por vezes, cansam-se de seguir, espartanamente e ainda por cima por arrasto, em demandas de «graais» que não são os seus.
Isto digo eu, que não sei nada da vida, mas já estive nos dois lados da questão. Noutras vidas, claro. Em vidas que o foram, por oposição a esta que pouco o é. É por isso que é mais fácil falar sobre o assunto, por causa dessa distanciação quase brechtiana, resultante de passadas e remotas autocríticas.
Enfim... acho que estou para aqui a divagar e se calhar nem de perto respondi às tuas perguntas, pois talvez não tenha sido claro, como pediste.
Tu dirás, se assim for.

Beijo