Olha, Vítor, não sei se quando "postas" crias expectativas quanto às reacções dos receptores (relativas a número e a tipos, por exemplo), mas sei que, se tiveres por aí uma 'Cola', podemos 'conversar' calmamente sobre o tema "Morrer em Nova Orleães"...
I'm always 'in the mood' for talking. Diz-me lá então porque é que postaste este ritual de uma cultura diferente da nossa? Identificas-te com ele ou foi para experimentares a nossa capacidade de reacção?
margarida: antes da(s) causa(s), deixa-me que te diga que este ritual não é por mim considerado como "de uma cultura diferente da nossa". É verdade que não costumamos ver por cá esta forma de despedida, assim como também é verdade que ela não existe em praticamente mais nenhum lado, mesmo nos EUA. Mas, se o "melting pot" existe verdadeiramente, então esta cidade deve ser o lugar onde ele existe efectivamente. Estes funerais de Nova Orleães deviam ser atestados pela UNESCO como património da humanidade - na minha opinião, claro! Fica mais fácil, agora, explicar por que 'postei' este. Respondendo directamente à tua questão, devo dizer que também foi para experimentar a reacção de quem por aqui passa, mas a primeira alternativa que me colocas tem muito mais peso. Identifico-me, sim, com o ritual, porque, na terra do jazz (visto como estilo abrangente e matricial), de que outra forma se poderia esperar que nos despedíssemos de quem parte? Identifico-me porque gostaria - quando a minha hora chegar de partir - de ir em festa, de nesse dia ser uma espécie de feriado em que o motivo do divertimento e da alegria fosse a despedida a um amigo.
Os rituais funerários são estranhos para quem é estranho. Para aquelas pessoas que festejam a partida de alguém, o chorar, o gritar serão tão ou mais estranhos do que dançar ou cantar. Por mim, se morrer em sofrimento, gostaria de alguma festa na hora da despedida. Se morrer em festa, "the show must go on".
Ainda bem que ainda tens 'Cola'. Assim talvez consiga escrever ALGUMA COISA do que tinha pensado... Rrrrrr! Vou escolher o que me diz respeito - diferente (ou estranha!) que sou. Desculpa. No meu entendimento, fazendo a morte parte da vida, deve haver alguma coerência entre o momento da despedida e aquilo que a criatura teve enquanto andou por cá. Aprovo um clima de festa e quero-o para mim também, da parte dos amigos, em ambiente íntimo, como já inúmeras vezes tive. Não me agrada a presença de desconhecidos, por exemplo, até porque (felizmente) não sou uma figura pública. Gostava que essa gente nem se atrevesse a aparecer. Espero que lá estejam os que me amaram; os que amam os que ficam terão tempo para estar com eles! E não quero flores de quem nunca mas ofereceu enquanto eu pude apreciá-las e agradecê-las. E, como detesto móveis e tecidos brilhantes, bem como metal ofuscantemente dourado, gostava que me fizessem o favor de me encaixarem (já que tem de ser assim) numa urna de madeira baça e completamente lisa, com pegas também de madeira, e sem véus nem coberturas ridículas. E não quero ficar em lugar nenhum da terra onde alguém possa sentir que eu estou, sem estar. Quero que o mar engula as minhas cinzas, numa despedida feita pelos amigos, de pé descalço, na areia.
yanneck: os rituais funerários são quase sempre estranhos porque nos recusamos a pensar na morte e deixamos as decisões para serem tomadas pelos que ficam - isto, na maioria dos casos. Mais - hoje, os pais da nossa geração preservam em demasia os seus filhos do contacto com a morte. Que um miúdo de 5 ou 6 anos seja poupado ao confronto com os rituais de partida ainda compreendo e concordo. Mas um adolescente de 12 anos já não é uma criança e não só pode como deve assimilar o advento da morte da mesma forma como aprende e apreende os rituais da vida.
margarida: concordo contigo quando dizes que deve haver coerência e que a coisa deve ser íntima. Mas quem te garante que naquele funeral deste post aquela multidão não era íntima do homem que morreu? Ele era um conhecido artista na sua cidade, no seu bairro, numa comunidade que vive de portas abertas, em que todos - apesar das contradições e dos problemas - se tratam como irmãos, mesmo que essa fraternidade tenha como ponto de união a luta e/ou a resistência face ao "branco". E estes funerais, como acto público que são, também são actos políticos e de afirmação étnica e cultural. Nada é tão simples como desejamos, nem a nossa própria morte!
Vítor: Eu afirmei que ia escolher o que me dizia respeito. Ninguém me garantiu nada (antes de ti, hoje) a respeito do defunto que aqui está em causa, mas a verdade é que eu não estava a referir-me a ele, embora pudesse tê-lo feito. Faço-o agora, então, já que resolveste espicaçar.
"Um conhecido artista na sua cidade" será alguém que, também por cá, atrairá, para a sua despedida, a cidade inteira e talvez muitos arrabaldes. É o caso, que anteriormente referi, da figura pública, em que me parece difícil rotular como desconhecidos todos os que o eram para aquele que se passou, por este último ser conhecido de todos. Percebo, todavia, que, no particularíssimo caso de Nova Orleães, tu entendas a comunidade inteira como uma família unida por uma causa comum, o que transforma cada membro numa parte de um todo, mesmo que muitos nunca tenham contactado com outros tantos. Uma morte será então a perda de um pedaço da unidade, a qual, no entanto, não sairá enfraquecida, pois quem fica sabe bem mostrar ao mundo a valia e a força de um ideal. Tenho de concordar que o mito do 'melting pot' é actualizado neste ritual de morte, mas devo confessar que nem o mito nem o ritual me atraem. Respeito esta realidade, como qualquer outra, quer seja já apenas tradicional, quer tenha um qualquer significado concreto e actual... Mas... enquanto para ti sim (sem fazeres parte da comunidade que, apesar de aberta, não é tua - pelo menos ainda), para mim não - não é lugar para que se despeçam de mim, simplesmente porque não é lugar onde tenha amado ninguém! Nem que os ideais me atraíssem como um íman - porque não os teria partilhado com os presentes na "festa". Nova Orleães até pode fascinar-me um bocadinho (afinal, eu até gosto de jazz, por exemplo), mas seria uma terrível incoerência eu querer que os meus amigos (de cá) fossem até lá exclusivamente para se despedirem de mim. Ainda se por lá tivéssemos respirado e bebido em conjunto o ambiente local...
8 comentários:
Olha, Vítor, não sei se quando "postas" crias expectativas quanto às reacções dos receptores (relativas a número e a tipos, por exemplo), mas sei que, se tiveres por aí uma 'Cola', podemos 'conversar' calmamente sobre o tema "Morrer em Nova Orleães"...
Há sempre 'Cola' por cá. Vamos à 'conversa' se ainda estiveres "in the mood"...
I'm always 'in the mood' for talking.
Diz-me lá então porque é que postaste este ritual de uma cultura diferente da nossa? Identificas-te com ele ou foi para experimentares a nossa capacidade de reacção?
margarida:
antes da(s) causa(s), deixa-me que te diga que este ritual não é por mim considerado como "de uma cultura diferente da nossa". É verdade que não costumamos ver por cá esta forma de despedida, assim como também é verdade que ela não existe em praticamente mais nenhum lado, mesmo nos EUA. Mas, se o "melting pot" existe verdadeiramente, então esta cidade deve ser o lugar onde ele existe efectivamente. Estes funerais de Nova Orleães deviam ser atestados pela UNESCO como património da humanidade - na minha opinião, claro!
Fica mais fácil, agora, explicar por que 'postei' este. Respondendo directamente à tua questão, devo dizer que também foi para experimentar a reacção de quem por aqui passa, mas a primeira alternativa que me colocas tem muito mais peso. Identifico-me, sim, com o ritual, porque, na terra do jazz (visto como estilo abrangente e matricial), de que outra forma se poderia esperar que nos despedíssemos de quem parte? Identifico-me porque gostaria - quando a minha hora chegar de partir - de ir em festa, de nesse dia ser uma espécie de feriado em que o motivo do divertimento e da alegria fosse a despedida a um amigo.
Os rituais funerários são estranhos para quem é estranho.
Para aquelas pessoas que festejam a partida de alguém, o chorar, o gritar serão tão ou mais estranhos do que dançar ou cantar.
Por mim, se morrer em sofrimento, gostaria de alguma festa na hora da despedida. Se morrer em festa, "the show must go on".
Ainda bem que ainda tens 'Cola'. Assim talvez consiga escrever ALGUMA COISA do que tinha pensado... Rrrrrr! Vou escolher o que me diz respeito - diferente (ou estranha!) que sou. Desculpa.
No meu entendimento, fazendo a morte parte da vida, deve haver alguma coerência entre o momento da despedida e aquilo que a criatura teve enquanto andou por cá. Aprovo um clima de festa e quero-o para mim também, da parte dos amigos, em ambiente íntimo, como já inúmeras vezes tive.
Não me agrada a presença de desconhecidos, por exemplo, até porque (felizmente) não sou uma figura pública. Gostava que essa gente nem se atrevesse a aparecer. Espero que lá estejam os que me amaram; os que amam os que ficam terão tempo para estar com eles!
E não quero flores de quem nunca mas ofereceu enquanto eu pude apreciá-las e agradecê-las.
E, como detesto móveis e tecidos brilhantes, bem como metal ofuscantemente dourado, gostava que me fizessem o favor de me encaixarem (já que tem de ser assim) numa urna de madeira baça e completamente lisa, com pegas também de madeira, e sem véus nem coberturas ridículas.
E não quero ficar em lugar nenhum da terra onde alguém possa sentir que eu estou, sem estar. Quero que o mar engula as minhas cinzas, numa despedida feita pelos amigos, de pé descalço, na areia.
yanneck:
os rituais funerários são quase sempre estranhos porque nos recusamos a pensar na morte e deixamos as decisões para serem tomadas pelos que ficam - isto, na maioria dos casos. Mais - hoje, os pais da nossa geração preservam em demasia os seus filhos do contacto com a morte. Que um miúdo de 5 ou 6 anos seja poupado ao confronto com os rituais de partida ainda compreendo e concordo. Mas um adolescente de 12 anos já não é uma criança e não só pode como deve assimilar o advento da morte da mesma forma como aprende e apreende os rituais da vida.
margarida:
concordo contigo quando dizes que deve haver coerência e que a coisa deve ser íntima. Mas quem te garante que naquele funeral deste post aquela multidão não era íntima do homem que morreu? Ele era um conhecido artista na sua cidade, no seu bairro, numa comunidade que vive de portas abertas, em que todos - apesar das contradições e dos problemas - se tratam como irmãos, mesmo que essa fraternidade tenha como ponto de união a luta e/ou a resistência face ao "branco". E estes funerais, como acto público que são, também são actos políticos e de afirmação étnica e cultural. Nada é tão simples como desejamos, nem a nossa própria morte!
Vítor:
Eu afirmei que ia escolher o que me dizia respeito.
Ninguém me garantiu nada (antes de ti, hoje) a respeito do defunto que aqui está em causa, mas a verdade é que eu não estava a referir-me a ele, embora pudesse tê-lo feito.
Faço-o agora, então, já que resolveste espicaçar.
"Um conhecido artista na sua cidade" será alguém que, também por cá, atrairá, para a sua despedida, a cidade inteira e talvez muitos arrabaldes.
É o caso, que anteriormente referi, da figura pública, em que me parece difícil rotular como desconhecidos todos os que o eram para aquele que se passou, por este último ser conhecido de todos.
Percebo, todavia, que, no particularíssimo caso de Nova Orleães, tu entendas a comunidade inteira como uma família unida por uma causa comum, o que transforma cada membro numa parte de um todo, mesmo que muitos nunca tenham contactado com outros tantos.
Uma morte será então a perda de um pedaço da unidade, a qual, no entanto, não sairá enfraquecida, pois quem fica sabe bem mostrar ao mundo a valia e a força de um ideal.
Tenho de concordar que o mito do 'melting pot' é actualizado neste ritual de morte, mas devo confessar que nem o mito nem o ritual me atraem. Respeito esta realidade, como qualquer outra, quer seja já apenas tradicional, quer tenha um qualquer significado concreto e actual...
Mas... enquanto para ti sim (sem fazeres parte da comunidade que, apesar de aberta, não é tua - pelo menos ainda), para mim não - não é lugar para que se despeçam de mim, simplesmente porque não é lugar onde tenha amado ninguém! Nem que os ideais me atraíssem como um íman - porque não os teria partilhado com os presentes na "festa".
Nova Orleães até pode fascinar-me um bocadinho (afinal, eu até gosto de jazz, por exemplo), mas seria uma terrível incoerência eu querer que os meus amigos (de cá) fossem até lá exclusivamente para se despedirem de mim. Ainda se por lá tivéssemos respirado e bebido em conjunto o ambiente local...
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