terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Conselho (I)


Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faze canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faze de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...

Fernando Pessoa

* esta foto
"foi emprestada"

5 comentários:

Clarice disse...

Este Fernanado sabia tudo!:)

Guida Palhota disse...

Ó Vítor, eu gostava mesmo de desafiar a Clarice... e, como sei que gostas de ficar atrás do balcão a assistir, cá vai:

Clarice, que "tudo" é que te parece que este Fernando sabia?

(Coloco-te esta questão excluindo a hipótese incongruente da existência de um ser humano omnisciente!)

Vítor disse...

miúdas:
resolvam isso enquanto eu vou ajeitando umas saladinhas de choco, de ovas e de orelha e vou cozendo umas gambitas...
Acabei de mudar o barril da imperial e já estão fresquinhas as 'botellas' de alvarinho particular (do meu primo Horácio)...
Ó Fernando, se preferires algo mais forte, faço-te um ponche caribenho com rum e açúcar de cana de Guadalupe (as limas são do Pingo Doce e sei lá de onde vieram)...
Vá, que o sol voltou e há que aproveitar a esplanada (vou ali à arrecadação buscar um 'sombrero')...

Deixem-me, no entanto, contribuir um bocadinho: o Fernando (desculpa lá, ó Nandinho) sabia muita coisa, mas não sei se sabia TUDO. Uma coisa que eu sei que ele sabia é a que sabe a solidão; daí, talvez a "receita" do fechamento sobre si próprio que ele aqui nos deixou. No entanto, acho que aquilo que nos disse não é novo para ninguém - todos, em maior ou menor grau o fazemos. O que ele conseguiu fazer foi DIZÊ-LO, e de uma forma brilhante.

Disseram-me, na copa, que estão a sair uns pipis apuradinhos... Que tal irmos atacando a petiscada?

Guida Palhota disse...

Vítor, tenho vindo aqui espreitar, sempre à espera da resposta da Clarice à minha "provocação".
Vou só esperar mais um dia, porque gostava de a "ouvir", mas, se ela não aparecer, digo eu uma coisita ou outra.
Por aqui, até amanhã.

Guida Palhota disse...

Vítor:
Tenho pena que tenhas tragado sozinho todos esses petiscos, delícias tamanhas! Mas é certo que não ias ficar eternamente à espera. Pela parte que me toca, agradeço-te a gentileza, peço desculpa e farei um esforço para que tal desfeita não se repita.

E passemos então ao poeta:

Imaginando este 'conselho' dirigido à minha pessoa, não me apetece seguir nada do que é sugerido pelo sujeito poético: não quero ser dupla, mostrando só o que é parecido com o que têm os outros ou apenas a minha superfície; não quero esconder a minha autenticidade; não quero guardar para mim a essência do meu ser; não quero ser, para os outros, uma ficção; não quero viver emparedada; não me interessam 'muros' para esconder as minhas imperfeições; não me interessa aparentar só beleza e perfeição aos olhos dos outros...
E... pensando também naquilo que tu, Vítor, escreveste, deixa-me que te diga que, das duas uma: ou a solidão sabe muito bem (masoquismos? não contem comigo!) e este eu poético quer preservá-la por isso ou então tem algo de muito sério a esconder... E ainda... se há algum grau em que se possa dizer que eu me comporto assim, gostava bem que isso acabasse muito em breve, porque continuo a sentir (desculpa a comparação entre os "poetas"!) que o Jack Johnson é que tem razão quando diz "It's always more fun to share with everyone".

O Pessoa podia saber muito (embora não tudo!!!), mas não me parece que o mundo precise de conselhos destes. Que diabo! Perseguimos a felicidade ou a infelicidade, a socialização ou o isolamento, a vida ou a morte da alma?!... O que ninguém vê não existe!!! Digo eu, claro, mas digo!
Feche-se quem quiser. Eu não.