À hora mais fria, quando a noite dá lugar à madrugada, os seus olhos insistiam em perscrutar o negrume do horizonte, debruado por miríades de astros cintilantes no jogo perfeito de simetria que é o reflexo do céu nas águas do mar, enquanto a aurora lentamente se ia aproximando cavalgante na suave brisa que ainda transportava os perfumes da tórrida meseta ainda há pouco deixada pelo caminho.
Toda a noite ali estivera sentada no minúsculo promontório avarandado por sobre a praia, imóvel, quase petrificada, quase fazendo já parte do perenal recorte da paisagem.
Há semanas que as noites são, todas, assim passadas. E nem um sinal. Nada. Nas horas que se seguiram à partida dele, ainda teimava em ver o rasto deixado nas águas pela quilha do pequeno batel, de onde lhe chegavam os ecos das últimas palavras por ele proferidas, naquela crepuscular hora já tão nocturna:
«Não me esperes… não me esperes, que eu não volto… nunca mais… nunca! Hei-de amar-te para sempre!»
No fim dessa primeira noite de expectante vigília, vestiu o negro que desde então a cobre da cabeça aos pés e sepultou-se em casa, de janelas e portas fechadas, do nascer ao pôr do sol. Nunca mais ninguém a viu, vizinhos ou parentes. Nem mesmo aqueles que ainda foram impondo no aferrolhado postigo as marteladas tentativas de obtenção da resposta que vencesse o hermetismo daquele emparedamento que só a coberto do xaile e da noite alta era quotidianamente interrompido pela fortuita saída e sequente deambulação pelos bem conhecidos trilhos – por entre tojos, cardos e chorões – que a dirigiam ao costumeiro ponto de vigia.
O mar o trouxera um dia, o mar o levara uma noite.
7 comentários:
Gostei muito deste teu texto - à hora do fecho deste dia em que (dizem) se celebra o amor.
...e o mar o trará de novo.
É assim o mar!
Bonito texto sobre o mar!
Ficamos presos à sua infinitude, como se fosse a única forma de conseguir acreditar... "que o mar o trará de novo!"
Mesmo que seja ilusão, "é assim o mar!"
margarida:
a hora e o dia foram apenas coincidências, pois nenhum dia é especial no que diz respeito à celebração do amor.
Se o mar o vai trazer de novo, ainda não sei... logo se verá, se a história tiver continuação.
clarice:
foi a Margarida quem o disse, não o texto.
Eu sei, eu sei, que foi a Margarida quem o disse!:)
Vítor:
Claro que a história vai ter continuação. Ou estavas a pensar ir na modernice das séries em dois capítulos?!...
Olha, meu amigo, não te deixes cair nessa, senão obrigo-te a ir noutra, que é deixar os leitores escolherem o final!...
(Cof, cof!) Podias, por exemplo, provar que não há dias especiais para celebrar o amor...
Anda Vítor, ouve as palavras sábias da Margarida...
estou aqui sentadinha para te continuar a ler!
E o mar é todo-poderoso?
Não terá 'ele' para lá ficado simplesmente porque não quis voltar?
Não poderia ela aventurar-se e ir procurar o seu amor (mesmo que "à beira de um precipício")?
Há lugar a 'coragem' nesta história'?
Amar implica ou não ter coragem? E coragem para fazer o quê?
Ficar eternamente à espera é ter coragem? Ou é, simplesmente, teimar em guardar uma recordação - porque, se passos em busca forem dados, poderá encontrar-se a desilusão, desfazer-se o sonho...?
Não agir não será cobardia, insistência na ilusão, tentativa de fazer persistir a magia?
Por mim, não sei se o mar alguma vez o trará. Porque também não sei se ela o merece de volta...
A eterna espera é uma atitude confortável de arrastamento da imagem de um amor, mas um amor que não faz viver.
Se é isto que quer dizer "O amor comanda a vida", fujamos! Eu não quero nunca ficar paralisada por amor! O amor precisa de alimento e, havendo necessariamente dois seres, no gesto de amar, de ambos têm de partir passos para encontrar e oferecer sustento.
O 'luto' que aqui li é algo que não partilho como gesto de amor. Tal como o isolamento.
Se não houver correspondência no amor... o mundo é grande e a vida é só uma; se houver, há que investir.
Digo eu.
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