sábado, 25 de abril de 2009

Somos livres



Quando eu era menino e começava a ver o mundo, as espingardas tinham sido desprovidas de balas mortíferas e munidas de perfumadas flores de cores vivas.
Ia ser um mundo novo, livre e justo, e a esperança estava depositada em nós, pois seríamos a primeira geração a crescer em democracia.
Mas não foi.

7 comentários:

Guida Palhota disse...

O que é que "não foi", Vítor?

Vítor disse...

Não foi o que "ia ser", Margarida, nem novo nem livre nem justo; além disso, a geração a que pertencemos está hoje no poder e já se esqueceu da democracia há muito tempo.

Guida Palhota disse...

E o que teria sido, para ti, um mundo "novo"?

Vítor disse...

Aquele que me (nos) prometeram naquela tenra e crédula idade: um mundo em que o homem não voltasse a ser o lobo do homem, em que todos trabalhassem igualmente para o bem comum e fossem igualmente recompensados, anulando progressivamente o fosso entre mais ricos e mais pobres; um mundo em que as responsabilidades cívicas seriam de todos os cidadãos, igualmente assumidas; um mundo em que se valorizasse o aprender cada vez mais e de forma partilhada e cooperativa; enfim, um mundo (utópico, eu sei) que seria perfeito se o ser humano fosse bom - como não é, não há utopia que venha alguma vez a ser cumprida.

Guida Palhota disse...

Psst,

Eu bem sabia que se te espicassasse, tu dizias muito bem tudo o que disseste e com o qual eu concordo.
Vou só acrescentar (tu me dirás o que te parece) que sinto que a esmagadora maioria daqueles que (da nossa geração), não estão no poder não anda a fazer nada para afrontar os poderosos. Ninguém se une (esqueceram-se das palavras de Abril... ou nunca acreditaram nelas), deixam-se subjugar, cheinhos de medo, e permitem que o clima instalado desfaça amizades.
Mas eu acho que há seres humanos bons - sem generalizar - e que esses têm (talvez) ainda mais obrigação do que os outros de contribuirem para o bem comum, para o cumprimento de, pelo menos, algumas pequenas utopias.
Se quisermos e soubermos, ainda vamos sendo livres. Sabemos é muito pouco e, neste mundo, tristemente, "quem tem a melhor perna é que se safa".
Devíamos aproveitar muitas pernas boas de muito boa gente e criar a força de um contrapoder!
Digo eu.

Aníbal Meireles disse...

Somos livres para falar. E só. E mesmo aí, convém que seja longe de certas pessoas.

Ficámos com o estigma da libertação do lápis azul, e ainda assim, ele fica à coca de vez em quando (ou será todos os dias ?).

Em tudo o resto estamos apenas um poucochinho melhor. Do oito para o oitenta não evoluimos, ficámos deslumbrados e não aprendemos nada, não sedimentámos nada. Vai ser necessário haver o 26 de Abril para chegarmos ao meio-termo.

35 anos é pouco. Se daqui por 15 isto estiver no sítio será muito bom.

Vítor disse...

Gostava de ter a tua esperança optimista, ó Meireles, mas acho que daqui a 15 anos o sítio onde isto estará será mais próximo do 24 do que do 26. É que, na minha modestíssima e nigérrima opinião, só tivemos 10 anos de liberdade e democracia: de 84 até hoje, paulatinamente fomos perdendo quase tudo o que conquistáramos. É verdade que ainda podemos falar, mas de que nos serve isso se não temos ninguém que saiba e queira ouvir-nos? Só se faz ouvir aquele que grita mais alto e diz o disparate maior. Olho à volta e vejo o medo estampado nos rostos das pessoas, um medo muitas vezes não assumido mas crescentemente alimentado no quotidiano. No 24, o medo e a autoridade estavam sempre presentes na minha sala de aulas, pois, um de cada lado do crucifixo pendurado por cima do quadro preto, dois rostos de 'big brothers' permanentemente nos observavam. Hoje, o medo não tem rosto ou, se o adivinhamos em algum, esconde-se por trás de um rosto no qual é suposto confiarmos por o termos, supostamente, escolhido para isso.
Mas talvez eu esteja enganado e a precisar de tomar qualquer coisa que me controle a visão esquisóide; talvez isto seja mesmo o máximo a que se pode aspirar em matéria de democracia e de liberdade.