sexta-feira, 3 de abril de 2009

Wish you were... - II


Depois da costumeira confusão na arrumação das bagagens de mão por cima das respectivas cabeças, esta nova revoada de passageiros lá começara a acomodar-se nos atribuídos assentos. O avião estava já quase cheio, mas o lugar ao seu lado continuava vazio.
Abriu o livro na página marcada e passeou o olhar pelas linhas de texto sem atentar no que estava escrito. As palavras que lhe soavam chegavam da memória de outra leitura, da da carta que segurava entre os dedos e que lhe servira como marcador para as páginas agora abertas do encadernado companheiro para a viagem: "tendo esverdeado a minha alma com o teu aroma refrescante e deixado o teu verde salpicado de cores garridas..."
Estas palavras, intensas, não a deixavam, desde que as lera, tiradas da caixa do correio, no preciso momento em que saía de casa para o aeroporto. Fora surpreendida pela mais bela carta de amor que alguma vez recebera, não por ele lha ter escrito e enviado mas por a sua chegada ter coincidido com a partida para a longa viagem, instrumento da fuga ao mais belo e mais impossível dos seus relacionamentos amorosos. O seu último encontro tinha sido o mais intenso de todos; nele, os seus corpos e as suas almas tinham efectivamente sido sujeitos a uma comunhão tal que as cores de cada um se misturaram com as do outro, como se fossem plantas de um mesmo canteiro enrodilhadas por uma brisa doce e carregada de sal marinho.
Por isso, as palavras a não deixavam, por ter sentido exactamente o que elas traduzem. Nunca vivera um amor tão belo, tão intenso e tão impossível. Por isso, fugia dele. Por isso, estava agora sentada entre as asas que a levariam para longe, para muito longe da terra em que deixava a vida que não podia ter. Por isso, sentia que, por muito que fugisse, nunca iria deixar de o amar.

2 comentários:

Guida Palhota disse...

'Beleza' e 'intensidade' precisarão de rimar com 'impossibilidade'?!...
Felizmente, há bilhetes de volta, o que, neste caso, talvez se adivinhe no gesto de utilização da carta de amor como marcador - expressão de contradição relativamente à intenção de fuga!

Vítor disse...

margarida:
É claro que não, essa rima não é forçosamente obrigatória (além do mais, é pobre e grave).
É uma boa perspectivação a que apresentas em relação ao "gesto", mas nada nos diz que a carta e a fuga tenham de entrar em contradição, pois há bilhetes de ida que não têm volta, apesar da circularidade do planeta.