sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Stella Maris


Depois de mais uma volta na cama, lentamente abriu os olhos e demoradamente o procurou na outra metade do leito. Nem sinal da sua presença. Em sobressalto, sentou-se de olhos fixos no breu do quarto, ouvindo o rumor, ritmado e progressivo, das ondas quebrando nas falésias vizinhas, num crescendo infinito, como se o mar quisesse, em fúria, definitivamente iniciar a sua invasão da terra por aquela enseada. Enterrou a cabeça nas mãos e um choro, que começou quase mudo, em breve se tornou pranto, como se as suas lágrimas quisessem inundar-lhe a casa, em conluio com o mar.
Ele partira há já muitos dias, mar adentro, manobrando sozinho na popa do seu pequeno barco e nunca mais voltara nem dele soubera qualquer nova. Teria o mar decidido vingar-se da sua ousadia? E agora o mar revolto tentava entrar-lhe pela casa. Porquê? Só porque ele, um dia, lha tinha roubado e a tinha trazido para viver consigo? Não pode um homem amar uma Estrela do Mar?

4 comentários:

Guida Palhota disse...

Amar pode; roubar é que não! Está lá escrito que a Estrela é... 'do Mar'!

Lady Godiva disse...

Foi só um sonho, de um sono tormentoso. Já passou. E até apostaria em boas novas sobre ele, em agradável companhia.
Nem mar revolto, nem vingança, nem mesmo uma intenção de resgate da Estrela do Mar. Talvez apenas um pequeno sentimento de culpa pelo "roubo", o qual, como disse, já lá vai - agarrado ao sonho, perdeu-se com ele.
Digo eu. Pintando por cima...

Clarice disse...

Pode, se a estrela o amar também... há um mar imenso dentro de nós...

Vítor disse...

margarida:
realmente, roubar é feio, não se deve fazer, mas, no que diz respeito às estrelas do mar, ou se deixam ficar no mar ou se retiram de lá... roubar é isso que aqui significa: retirar ao seu ambiente. Além disso, a Estrela do Mar continua a ser ela própria mesmo que não esteja já no mar - ela é "do mar", complemento circunstancial de origem, e não "do mar", complemento determinativo ou de posse, já que ela não é de ninguém.

lady:
"pintando por cima" é (re)criar, não é? A história que "pintas" ou é outra ou a mesma com outras roupagens, ou seja, vista noutra perspectiva; seja como for, até pode ser a mesma história contada por narradores diferentes - algures no meio poderá estar a virtuosa verdade.

clarice:
até pode, mesmo que ela não o ame também... tudo é possível, porque tudo cabe na imensidão do mar...