sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Stella Maris


Depois de mais uma volta na cama, lentamente abriu os olhos e demoradamente o procurou na outra metade do leito. Nem sinal da sua presença. Em sobressalto, sentou-se de olhos fixos no breu do quarto, ouvindo o rumor, ritmado e progressivo, das ondas quebrando nas falésias vizinhas, num crescendo infinito, como se o mar quisesse, em fúria, definitivamente iniciar a sua invasão da terra por aquela enseada. Enterrou a cabeça nas mãos e um choro, que começou quase mudo, em breve se tornou pranto, como se as suas lágrimas quisessem inundar-lhe a casa, em conluio com o mar.
Ele partira há já muitos dias, mar adentro, manobrando sozinho na popa do seu pequeno barco e nunca mais voltara nem dele soubera qualquer nova. Teria o mar decidido vingar-se da sua ousadia? E agora o mar revolto tentava entrar-lhe pela casa. Porquê? Só porque ele, um dia, lha tinha roubado e a tinha trazido para viver consigo? Não pode um homem amar uma Estrela do Mar?

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Chamada Geral


avisam-se todas as polícias
fugiu um homem

tem
olhos muito abertos
duas mãos dois pés
caminha persistentemente

atenção
supõe-se que é perigoso

sinais particulares:
baixa-se com frequência
para fazer festas a um gato
apanha folhas caídas
antes que o varredor as leve
gosta de tremoços

atenção
GOSTA DE TREMOÇOS

repete-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem à solta
à solta

atenção
tem-se como certo
que é
realmente perigoso

os aeroportos
já estão sob vigilância permanente
tudo está a postos
não poderá passar
por nenhuma fronteira
que seja conhecida

insiste-se
avisam-se todas as polícias
anda um homem em liberdade

atenção
em liberdade

delações muito recentes
permitem afirmar
que fala com frequência

todo o cuidado é pouco

consta também
embora sem referências concretas
que está sempre presente
nos locais os mais suspeitos
apela-se com insistência
para o civismo de todos os cidadãos
para a denúncia rápida e eficaz
há recompensa

atenção
anda pelo país um homem
livre

não se sabe o que fará

exige-se a quem o vir
que atire imediatamente
é urgente

atenção
atenção
chamam-se todas as polícias
uma informação
da máxima importância
relatórios afirmam
que frequentemente
sorri com extrema virulência

repete-se o apelo
ATIREM PARA MATAR
NADA DE PERGUNTAS

Mário Henrique Leiria, Novos Contos do Gin

sábado, 24 de janeiro de 2009

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A sunday smile

Podemos sempre sorrir à quinta-feira como se de domingo se tratasse...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Às compras

Entrou, como de costume, no supermercado do bairro, quinze minutos antes da hora de encerramento.
Já raros eram os clientes. Já os repositores preparavam o dia seguinte reabastecendo as prateleiras. Já na peixaria jaziam no seu níveo leito apenas, esparsos, os sobrantes. Circulava-se mais fluidamente àquela hora pelos corredores, apesar de as paletes os estreitarem ainda mais do que o habitual. Curiosos eram os percursos de cada um dos compradores. Uns, metódicos, começando por acomodar no fundo do cesto os artigos mais pesados e volumosos, deixando para o fim os mais delicados e perecíveis, colocando-os depois pela ordem inversa no tapete rolante para novamente irem para o fundo, agora, dos sacos. Outros, seguindo a lógica para eles desenhada pelos pensadores que idealizaram o espaço, navegando à vista e parando aqui e ali para as incursões necessárias nas baías e enseadas que se lhes iam oferecendo. Outros ainda, ziguezagueando ao ritmo da lembrança do que faz falta e, por isso mesmo, passando várias vezes nos mesmos sítios, voltando atrás, vendo e revendo, por vezes repondo o que acabavam de retirar.
Com o cruzamento das linhas desta complexa geometria, inevitavelmente se cruzou várias vezes com os mesmos transeuntes, também discretos, também sorridentes e corteses no tom quase de surdina que imprimiam às vozes, nas cedências de passagem ou de vez num balcão, e todos tão diferentes da horda que duas horas antes, ruidosa e boçalmente, invadira o mesmo espaço.
Enquanto, no balcão da charcutaria, sem pressa, apreciava e apreçava embalagens de queijos e presuntos fatiados, uma voz feminina, mesmo ao seu lado, pediu:
– Pese-me duzentos gramas deste fiambre, por favor.
Imediatamente o seu olhar se fixou na enunciadora de tão improvável quanto correcta produção linguística. Em seguida, a surpresa deu lugar à estupefacção quando a empregada percebeu à primeira o pedido, sem repetir “corrigindo”, Duzentas?, como já tantas vezes a si acontecera.
Depois, a cliente ucraniana agradeceu à empregada africana e afastou-se.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

PROGRAMA

Sei eu lá bem que aspecto a poesia
deva ter. Não esse tipo paralisado,
monocórdico. É uma coisa que não
aprecio muito. O mesmo tom repetido
até ficar gasto, e depois chamar isso
«coerência formal», ou «uma voz
própria», esse género de tretas.
Não, isso é pouco do meu gosto.

Então antes a guloseima favorita
da minha infância. O rebuçado
mágico. A gente vai chupando,
chupando, estão sempre a aparecer
outras cores e, mal uma pessoa
se distrai, não sobra mais
nada. É exactamente isso, acho
eu. Uma coisa assim. É ela por ela.

Tom Lanoye (trad. Fernando Venâncio)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Parabéns, Margarida




Como não sei de qual gostas mais, mando os dois.
Espero que cheguem aí inteiros e a horas.
Parabéns!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

domingo, 11 de janeiro de 2009

Shalom

Abro hoje uma excepção na linha editorial deste blogue para falar da Palestina.
Nunca foi minha intenção erigir aqui qualquer tribuna política. Aliás, partilho cada vez menos e cada vez com menos pessoas as minhas opiniões sobre o caminho para que estamos a conduzir este nosso mundo. Mas tenho de dizer alguma coisa sobre mais este massacre em Gaza.
Não me considero anti-semita, mas não é por receio de mo chamarem que vou deixar de ter opinião sobre aquilo que os israelitas (não os judeus) estão a fazer: puro genocídio. É uma espécie de "solução final" à maneira do século XXI: planificada ao pormenor, tanto nos métodos como nos timings ou nos alvos. Quando, por exemplo, se oblitera uma escola e o "seu conteúdo", já nem sequer se fala nos politicamente correctos «danos colaterais», pois o alvo é apresentado objectivamente como a própria escola, que era preciso arrasar porque havia suspeitas de lá permanecerem não se sabe bem se "terroristas" ou "armas de destruição massiva" ou qualquer outro papão ou ogre ou espantalho a necessitar de ser primeiro 'agitado' e depois destruído para que os que foram assustados com a sua revelação possam dormir descansados depois do seu desaparecimento.
Apetecia-me dizer que já não precisamos que nos inventem papões para comermos a sopa, mas, infelizmente, olhando à volta, vejo os meus pares a comerem a sopa enquanto, cada vez mais assustados, vão acreditando nos papões e, cada dia mais convencidos do seu alívio, exultando com as notícias dos exorcismos bem sucedidos.
«Que chatice! Acabem lá com esses gajos, se não ocupam-me o telejornal todo e não deixam espaço para as verdadeiras notícias. Já deram as imagens do Ferrari do Cristiano Ronaldo destruído no túnel? Sabias que o gajo vai ter de trabalhar quinze dias para comprar outro? Aquilo é que é qualidade de vida. Outra notícia de merda! Se não são os árabes, são os pretos. Matem esses gajos todos de uma vez!»
É esta a mentalidade dos da minha geração, dos pais dos meus alunos, enfim, de muita gente - para não me comprometer com um talvez exagerado (?) "da maioria".
Estão a matar gente igual a nós, estão a matar-NOS, e 'zapamos' para outro canal.
Atrevo-me a dizer que cada um de nós, quando finge que não vê, está a ser tão criminoso como um general israelita.
"Pedi" a foto emprestada ao CM.

sábado, 10 de janeiro de 2009

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

'Assonância aliterada' - claro!



Bem hajam os "atentos ventos"
Em quaisquer horas de seus alentos
Sobejem sempre seus encantos
Calmantes cálidos, quentes mantos

E venham auroras, sempre doces, de vida
Venha em sorriso a alma querida
Ecoe para sempre o tremor intenso
Langor da alma, fervor extenso

MARGARIDA FARO

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Aliteração assonante ou assonância aliterada?


Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Belindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas,
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em torno à tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde já não torna!
E em tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de topor da tarda tarde.

E há nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Dos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos...
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.


Fernando Pessoa


sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

André Sardet - Boa Noite

A C. gosta muito e quer partilhar.

ROD STEWART - HAVE I TOLD YOU LATELY THAT I LOVE YOU

'Sailing' again in a brand new year!...