quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Duocentésimo



PROMETEU

Éter divino, brisas de asas velozes,
nascentes dos rios, sorrisos inúmeros
das vagas do mar, ó terra, mãe de todos,
e disco do Sol, que tudo vê - eu vos invoco!
Vêde o que sofre um deus, da parte dos deuses!
Contemplai as torturas
dilacerantes, que, por tempos sem fim,
eu hei-de suportar!
Tais são as algemas infamantes
que para mim criou o jovem senhor dos bem-aventurados.
Ai! Ai! Suspiro pela pena
presente e futura. Donde há-de vir um dia
o extremo limite deste sofrimento?
Mas que digo? Conheço já com rigor
tudo o que há-de vir. Desgraça inesperada não pode
surgir. Força é suportar o melhor possível
o destino marcado, sabendo invencível
a força da necessidade.
Mas calar ou não calar a minha sorte
não me é possível. Coitado de mim, que, por ter ofertado
um dom aos mortais, estou sob o jugo da necessidade.
Fui eu que descobri, no recesso de uma cana,
a nascente furtiva do fogo, que aos homens se revelou
mestra de todas as artes e recurso inestimável.
Desses crimes expio agora a pena,
pregado com algemas, sob a luz do céu.

Ésquilo, Prometeu Agrilhoado

5 comentários:

Guida Palhota disse...

Ai, coitada de mim!
Olhem bem para esta pobre, que,
por ter oferecido uma caixa de aguarelas e pincéis àqueles jovens desocupados, cumpre agora pena pelas suas pinturas espalhadas pelas galerias. Ah, que belas que são e eu sem poder adquiri-las.
Ah, pobre da minha pessoa, a quem só resta resignar-se à tortura de deixar de ver aquilo que, deliciando outros, me está vedado!
Vejam bem o meu sofrimento...

??????????????????????

(Desculpa, não atinjo o que faz isto aqui e, por isso, quero dizer..., mas é melhor não...)

Vítor disse...

Guida:

Gostei da tua paródia ao texto do Ésquilo. Talvez seja isso que transforma uma tragédia numa tragicomédia. Mas só o consegue fazer quem - como tu - realmente percebeu o texto original.
Sei que as tuas interrogações não surgem devido ao texto mas em relação às suas oportunidade e pertinência.
Eu explico (ou, pelo menos, tento): apeteceu-me assinalar o post 200 deste projecto que tem andado meio parado com uma viagem às origens - não às do blogue, antes às da transposição para o papel (melhor seria, talvez, dizer papiro) das questões mais profundas do ser humano. Sem qualquer tipo de pretensiosismo, deixei-me escorregar até à Grécia e aos seus momentos catárticos mais bem conseguidos: as tragédias.
Volta-se sempre ao Prometeu, deus que traíu os seus por dar aos homens o fogo da razão, mãe de todas as inquietações, de então em diante.
Só isso!

Beijo

Lady Godiva disse...

Olá, Vítor!
Passei por aqui e resolvi deixar-te uma "prendinha" pelo teu duocentésimo post.
Li o que transcreveste e lembrei-me deste poema:

Antigamente escrevia poemas compridos
Hoje tenho quatro palavras para fazer um poema
São elas: desalento prostração desolação desânimo
E ainda me esquecia de uma: desistência
Ocorreu-me antes do fecho do poema
e em parte resume o que penso da vida
passado o dia oito em cada mês
Destas cinco palavras me rodeio
e delas vem a música precisa
para continuar. Recapitulo:
desistência desalento prostração desolação desânimo
Antigamente quando os deuses eram grandes
eu sempre dispunha de muitos versos
Hoje só tenho cinco palavras cinco pedrinhas

RUY BELO

Se estas cinco palavras te rodearem, não te esqueças de inspirar fundo, de encher o peito de ar e de soprar com força, de modo a que elas se embaracem umas nas outras, tornando-se indistintas, perdendo toda a sua força pela perda da sua autodeterminação.

E se forem cinco pedrinhas que andam a atrapalhar-te o caminho, pega nelas com uma das mãos, fecha bem a mão sobre elas e abeira-te de um penhasco para onde as possas atirar, com toda a força do teu querer, para não voltares a vê-las - nunca mais!

Um beijo

Vítor disse...

Guida:

Alegre coincidência esta: enquanto te respondia, pelos vistos, "voltavas à carga".
Agradeço-te a "prendona" que as palavras de Ruy Belo sempre são e a recomendação sobre o que fazer com as tais cinco palavras-pedrinhas. Se elas aparecerem, não me esquecerei. Não sei o que te sugere que elas me tenham confrontado, mas sempre te vou dizendo que "persistência, alento, exaltação, amparo e ânimo" serão só as respectivas caras das coroas com as quais constituem as moedas do viver.

Beijo

Guida Palhota disse...

Olá, Vítor!

Escolhi estas cinco "palavras-pedrinhas", do Ruy Belo e de todos nós, porque me pareceu que vives uma espécie de enfeitiçamento lançado pelas "coroas", sem conseguires vislumbrar os reversos das medalhas. Mas ainda bem que te proporcionei o reavivar da lembrança de que existem as "caras", pois, assim, talvez possas regressar a uma fruição da vida tal como ela é (como os interruptores!), aceitando sem sofrimento a alternância entre o bom e o mau.
Alegra-me que tenhas reagido assim. Desculpa, no entanto, alguma pretensão no entendimento daquilo que não me diz respeito...

um beijo